16/08/2013
Um por um, continuo soltando meus balões vermelhos
Agora em agosto fez dois anos que me tornei vegano. De lá pra cá, meu mundo mudou um bocado, um tanto que não daria pra descrever e eu acho que nem gostaria de fazer isso.
Foi uma decisão pensada e amadurecida depois de muita reflexão e estudo. Apesar disso, não tinha ideia do impacto na minha vida prática. Com certeza digo que em nenhum momento fiquei tentado a desistir ou me arrependi, mas também sempre fui honesto comigo mesmo, de maneira que se mudasse de ideia não hesitaria em voltar atrás.
Fazendo um balanço desses meses todos, posso dizer que foi e está sendo bom e ruim, me faz bem e me faz mal.
Fisicamente só me faz bem. Perdi 2o kg da mais pura gordura sem esforço extra e fiquei ligeiro como era quando tinha 18. Praticamente me tornei outra pessoa de tanto que o funcionamento do meu organismo melhorou.
Espiritualmente e socialmente tem sido um pé no saco. Além de veganos, ninguém gosta de veganos. Mesmo amigos e familiares podem ser um teste de paciência no convívio social. Claro que no começo eu era muito chato também, agora sou apenas chatinho, acho. Em geral tenho ficado quieto no meu canto mas volta e meia acabo envolvido num bateu-levou.
- É a lei da selva -> não vivemos mais nela.
- Temos caninos -> elefantes tem dentes enormes.
- Estamos no topo da cadeia alimentar -> Principalmente no supermercado. Mas ótimo: podemos escolher o que comemos ou deixamos de comer.
- Nosso cérebro só evoluiu por causa da proteína animal -> vá estudar.
- Carne é saudável e tem os nutrientes que precisamos para viver -> de novo, vá estudar. E se você for douto, faça um favor aos seus pacientes e vá se reciclar.
- Comer carne sempre fez parte da história da humanidade -> matar recém nascidos defeituosos e estuprar as mulheres dos inimigos, também, e daí?
- Deus nos deu os animais como alimento -> vá dar a bunda, depois vá estudar.
- Como carne porque é gostoso -> esse é um bom argumento, o único minimamente respeitável. Mas gostar de carne assada, cozida ou frita e temperada é moleza, eu também acho uma delícia. Quero ver você comer uma língua de boi crua e sem tempero, como um bom animal predador, usando seus fortíssimos caninos, honrando seus antepassados das cavernas, no topo da sua cadeia alimentar de supermercados.
Pra ser um vegano zen ainda me falta muito. É bem difícil, sempre tem alguém testando minha capacidade de lidar com piadas e gracejos. E me sinto bastante incomodado cada vez que me deparo com a onipresença do consumo de derivados animais. Nesse caso, as vezes fico até feliz por meu círculo social ser pequeno.
E é óbvio e triste ter a clareza de saber que não há como escapar. Qualquer vegano mais experimentado sabe que nem tudo pode ser evitado. Temos controle do que comemos e de uma pequena parte do que usamos e olhe lá. Mas a gente faz o que pode com as ferramentas que tem. É pouco, mas suficiente pra dar um sentimento permanente de satisfação, mesmo nos momentos mais duros.
Também sempre há aquelas perguntas simples e diretas, às vezes honestas, que me deixam sem ação.
Eu ainda carrego poucas certezas e muitas dúvidas sobre meus hábitos. Frequentemente me pego sem argumento convincente nem para mim mesmo. Cada passo acaba sendo um teste de fogo onde procuro descobrir o real sentido da minha conduta. Tenho medo de me ver de repente fazendo gestos sem sentido e passar pela vergonha de me sentir equivocado, mas mesmo assim busco manter a mente e o coração abertos. Como eu disse, acima de tudo, não tenho medo de mudar de ideia.
Por enquanto não vejo razão para tal. Abrir concessão ou exceção para a escravidão e holocausto em massa de seres inocentes e sencientes não me parece algo fácil de se justificar. É uma coisa que não entra na minha dura cabeça.
Optar pelo veganismo foi a saída mais simples para mim, tirando esse fardo dos meus ombros estreitos e caídos. Para a maioria das pessoas parece ser mais fácil cair no duplipensar e continuar na esquizofrenia social reinante no que tange ao modo como lidamos com os outros animais.
Mas é claro que essa é apenas uma opinião minha, que reconheço ser bastante implacável. Da mesma forma que tento desenvolver empatia pelos outros animais, preciso tê-la com meus irmãos de espécie em primeiro lugar e não exigir deles na mesma medida em que exijo de mim, senão posso acabar virando um mártir ou sendo exilado, o que só é bonito nos filmes ou quando você é o Caetano Veloso.
Enfim, é o que eu tinha a dizer sobre isso. Por hora fique com essa música bacana.
You and I in a little toy shop
buy a bag of balloons with the money we've got
Set them free at the break of dawn
'Til one by one, they were gone
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