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O que está acontecendo?

28/09/2011

Alergia de cowboy

Nesse final de semana eu venci a inércia social do ermitão que sou e viajei para um povoado próximo aqui de Sucupira, pra mó de visitar um amigo. Foi um bom passeio, conheci a nova choupana do compadre e mais uma vez ele se gabou da beleza do lugar. Verdade, aquele vilarejo tem uma bela paisagem. Aqui a gente só tem as estrelas pra admirar enquanto enfrenta os malditos vampiros sob a luz da lua.

À noite saímos para beber. No centro da cidade paramos num lugar que é uma mistura de restaurante, lanchonete e rancho, abarcando o melhor dos três mundos. Decoração rústica, muita madeira, essas coisas.

Tradicionalmente, assim que nos sentamos pedimos logo uma cerveja. Só depois do primeiro gole vimos que a noite seria mais sertaneja do que esperávamos: uma dupla de jovens caubóis afinava o som pra começar seu show. Vendo um certo incomodo no olhar do parceiro, lhe propus bebermos apenas aquela ampola e partirmos para outra estalagem, mas ele preferiu ficarmos, imagino que tenha sido pela qualidade da comida servida ali. Tolerante que sou a estilos musicais que não me apetecem, aceitei numa boa, porque seria no mínimo interessante observar de perto o ecossistema sertanejo.

Nunca vi tanta piriguete caipira sob o mesmo teto. Parece que o auto astral da música pop sertaneja as atrai como moscas para uma lâmpada! Enquanto isso você fica aí foreveralone ouvindo Radiohead e outras bandas de meninos tristes. Aprenda.

Sendo vegano há pouco tempo mas já estando preparado para enfrentar o mundo carnívoro, me pus pacientemente a procurar no cardápio algo para acompanhar a cerveja. Apenas duas opções: mandioca frita ou batata frita, e a mandioca vinha com queijo. Pensei em pedir essa porção sem o queijo, mas eu já havia comido mandioca num outro bar na noite anterior, então preferi variar e comer fritas.

Então, ali estava esse sujeito que vos escreve, um sujeito vegano num bar sertanejo, cercado de pessoas que comem carne, alguns metidos a cowboys, mas todo mundo gente finíssima, elegante e sincera, só que ao contrário. Um lugar onde carne é a comida principal, onde o couro é a melhor roupa, ou seria se não fosse cara.

Ok. Bom saber que pelo menos a batata frita é apenas batata frita, não é? Quer dizer, vamos ignorar a altíssima probabilidade de que o óleo de fritura da batata é o mesmo usado para as carnes, além de estar sendo usado há pelo menos três dias. Não sejamos radicais, ninguém gosta de fanáticos. Confiemos no velho adágio: o que os olhos não veem, o coração não sente, porque cozinha de restaurante e passado de mulher, meu amigo, quem conhece não come, mas o que não mata, engorda…

BULLSHIT!

A batata chegou rápida e veio com um delicioso queijo derretido fumegando por cima. Eu salivei como o au-au de Pavlov. Meu estomago pulou de alegria enquanto meu cérebro tentava escapar pelas fossas nasais. No momento em que eu abria a boca para dizer algo como "não como queijo, você pode trocar, por favor?", meu amigo se adiantou e disse que eu era alérgico a lactose. Um cowboy com alergia a um dos produtos do seu trabalho? Que ironia seria.

A garçonete se desculpou frente a acusação mais que justa de não estar escrito no cardápio que até a porra da batata frita vem com algum tipo de derivado animal. E lá foi ela trocar a porção enquanto eu sorria um sorriso alckmin e sentia a barra que é ser um anormal.

Bem, o que me fez vacilar na hora de recusar a batata láctea foi o medo e a certeza de que tudo que comessemos ali a partir daquele momento teria o tempero especial do cozinheiro. Também foi por isso que, ao voltar o mesmo prato de fritas apenas faltando aquelas com mais queijo, eu me limitei a caçar as limpas enquanto proibia meu compadre de reclamar.

Na hora não foi muito engraçado mas agora pensando melhor sobre a situação vejo que não teve graça nenhuma mesmo.

Não tem graça porque, independente do motivo ser filosófico, ético, prescrição médica ou questão de vida ou morte, não há absolutamente nenhum respeito ou consideração pelas pessoas que não comem carne e derivados.

Veja só, estamos em 2011 e, como sempre foi e pelo jeito sempre será, não se pode confiar naquilo que se come fora de casa. Viva a diferença, mas não na mesa.