16/02/2012
Os ciclos do conhecimento
As pessoas em geral têm dificuldade de perceber o mundo como um lugar onde quase tudo é cíclico. Nasce-se e morre-se enquanto as coisas meio que se repetem sem que tomemos consciência.
Não há nada de novo debaixo do sol e, ao mesmo tempo, tudo se renova. Pra você ver o quanto isso vai longe, veja:
Nossa juventude adora o luxo, é mal educada, caçoa da autoridade e não tem o menor respeito pelos mais velhos. Nossos filhos hoje são verdadeiros tiranos. Eles não se levantam quando uma pessoa idosa entra, respondem a seus pais e são simplesmente maus. Sócrates, 470-399 AC
Não tenho mais nenhuma esperança no futuro do nosso país se a juventude de hoje assumir o poder amanhã, porque essa juventude é insuportável, desenfreada, simplesmente horrível. Hesíodo, 720 AC
Nosso mundo atingiu seu ponto crítico. Os filhos não ouvem mais seus pais. O fim do mundo não deve estar muito longe. Sacerdote desconhecido, 2000 AC
Essa juventude está estragada até o fundo do coração. Os jovens são malfeitores e preguiçosos. Eles jamais serão como a juventude de antigamente. A juventude de hoje não será capaz de manter a nossa cultura. Escrita em um vaso de argila de 4000 anos descoberto nas ruínas da Babilônia, atual Bagdá
Essas constatações e lamentos soam extremamente pertinentes e atuais e, no entanto, o mais recente é de 2600 anos atrás. Todos são de outros tempos, de culturas e sociedades diferentes. A desconfiança com o novo e a supervalorização do velho está aí desde que o mundo é mundo.
Podemos aplicar essa tendência a uma discussão muito comum nos dias de hoje: a decadência ou não do livro de papel. De um lado há os que afirmam com toda convicção que o livro de papel nunca desaparecerá e de outro os que preveem seu fim histórico.
A história do livro é bastante conturbada e se confunde com a evolução do homem e do pensamento racional. Mais significativa que a evolução do livro é a da palavra escrita, ou seja, do pensamento registrado.
O livro como o apanhado de textos organizados e delimitados que conhecemos surgiu há bem pouco tempo na história da humanidade e foi somente com o advento da prensa de Gutenberg que ele tomou forma de objeto prático e funcional, além de acessível. Foi um longo caminho para o pensamento humano desde os primeiros rabiscos em paredes de cavernas e tabuletas de barro, passando pelos rolos de papiro e pergaminho.
No filme A máquina do tempo, de 2002, baseado na história homônima de H. G. Wells (mas tão diferente que é odiado por muitos) o protagonista reencontra oitocentos mil anos depois o guia fotônico da biblioteca pública de Nova Iorque, uma espécie de supercomputador inteligente que encerrava em si todo o conhecimento humano e que podia ser acessado através de um holograma na simpática e estranha figura de Orlando Jones. Enquanto os livros viravam pó, naquela única máquina residia tudo o que o homem construiu antes de se autodestruir.
Gosto muito dessa cena. A ideia de um robô ou computador inteligente que sabe tudo me atrai bastante, principalmente nessa aplicação tão bonita de realidade aumentada.
Como será o futuro? Teremos isso algum dia? Não sei, ninguém sabe, mas a ponte que possibilitaria isso está sendo atravessada. Uma nova ponte, muito diferente de outras e ao mesmo tempo bastante similar. Mais um grande salto que torna o registro e o acesso ao conhecimento muito mais flexível e eficiente.
Por mais apegados que sejamos ao livro como objeto do nosso tempo e por mais que desejemos que ele viva para sempre, devemos em primeiro lugar ser pragmáticos e enxergar as coisas de forma ampla. Isso envolve ver o mundo por um angulo otimista, só para variar.