07/01/2020
O capricho da fotografia
Quando eu tinha uns 13 anos eu lia bastante gibi da Disney. Pato Donald, Tio Patinhas, essas coisas. Meu personagem preferido era o Peninha. Nesses gibis vinham propagandas diversas, sendo que as do Instituto Universal Brasileiro eram onipresentes. Muita gente acha engraçado ou tem vergonha de dizer que fez um daqueles cursos na década de 1980 e 1990. Você podia ser um eletricista, desenhista, mecânico. Olhar aquelas ilustrações era uma espécie rudimentar de teste vocacional. Certeza que muita gente escolheu a profissão ali.
Uma foto da lua malvada.
Eu também escolhi minha profissão lá. E como todas as outras ocupações remuneradas que eu poderia ter seguido na vida, essa também virou apenas um passatempo de verão.
Sim, meninos e meninas, o tio Roberto também fez um curso no glorioso IUB. Eu era fotógrafo. O caçulinha mimado fez os pais pagarem o curso por correspondência (correspondência!) e, como passo lógico, ganhar de presente uma linda câmara obscura novinha em folha.
Minha primeira câmara, a da esquerda, Kodak Instamatic 177XF.
Também fiz questão de tomar conta do quartinho de bagunça e transformar num pequeno laboratório de revelação. Naquele tempo as fotografias precisavam ser reveladas através de delicados procedimentos mágicos. O curso era bom, incluía esses materiais fotográficos, mas não havia realmente uma parte detalhada que ensinava esse processo na prática.
Para complicar, minha câmara era do tipo mais simples, usava um cartucho lacrado que exigia revelação num laboratório profissional, então sequer havia como revelar em casa. Detalhe que o material que recebi era para revelação de fotos em branco e preto apenas.
Uma foto da Esquadrilha da Fumaça que fiz num longínquo 7 de setembro usando a pequena Kodak Instamatic 177XF.
Aliás, o curso todo era voltado para câmaras fotográficas manuais que usavam rolos de filme de 35mm. Minha Kodak tinha foco fixo e fazia imagens quadradas como as do Instagram na época em que ele era descolado.
Terminado o curso, em que precisei enviar fotos que fiz e que tinha até prova corrigida a caneta (por correspondência!), estava formado mais um fotógrafo. A partir daí virei o fotógrafo da família e fiz muitas fotos mal enquadradas e escuras. Tive depois outras máquinas fotográficas, mas eram dessas automáticas em que você só controla o enquadramento e mais nada.
E ficou por isso mesmo, nunca me desenvolvi como fotógrafo e, como todo mundo, em algum momento acabei por trocar a máquina fotográfica por um smartphone. Como todo mundo, pensei que seria melhor, afinal o celular faz fotos, né?
O olho é a câmara
Tudo mudou a alguns anos atrás, quando redescobri a fotografia. Fiz um desses cursos gratuitos online para relembrar o que esqueci mas também tive a sorte de encontrar o canal do fotógrafo Sit Kong Sang, onde aprendi que a gente faz fotografia com o cérebro, não com o equipamento, ao mesmo tempo em que uma máquina fotográfica de verdade é importante. Agora tenho uma digital que possui modo manual e ouso dizer que sei como usá-la.
Um passeio no passado
A clássica Zenit EM 1975 e sua excelente objetiva.
Mas uma coisa ficou faltando: nunca chequei a revelar uma fotografia analógica. Revelar um arquivo digital é divertido (usando softwares como Camera Raw ou Darktable), mas não é a mesma coisa. Cheguei a estudar revelação caseira, Caffenol, essas coisas. Cheguei mesmo a comprar todos os materiais, uma máquina antiga e filme, mas no momento de me preparar para fazer uma revelação a moda antiga acabei empacando.
Tive que aceitar que perdi essa janela da história, não é para mim. Principalmente depois que descobri que o filme fotográfico usa gelatina. Não faz sentido um vegano querer trabalhar com fotografia analógica. Por teimosia, até mesmo estudei desesperadamente a fundo alguns processos fotográficos primitivos que usam negativos de papel. Não foi um trabalho em vão, visto que me rendeu a tradução de um livro clássico da história da fotografia, mas, de novo, minha cabeça não tem essa parte desenvolvida, então nada foi posto em prática.
Não gosto de gente mas gosto de fotografar gente
Um gato no telhado contemplando o por do sol.
Me interessei bastante por fotografar pessoas agindo espontaneamente e estudei a técnica de Cartier-Bresson, mas no fim somente flores são fáceis de se fotografar.
As pessoas são muito arredias, sempre que notam a presença de uma lente perdem a espontaneidade ou sorriem de modo bizarro. Nesses estudos também acabei traduzindo um livro do fotógrafo Eric Kim sobre fotografia de rua.
Uma flor "Dama da noite". Ela se abre, claro, somente a noite.
A necessidade do palpável
Como fotógrafo amador que pegou a transição do analógico para o digital, tenho muitos álbuns de fotografias em papel e milhares em formato digital. As fotos presas no computador me incomodam um pouco.
Se você pegou a referência, você faz parte da resistência.
Uma coisa que fiquei bastante feliz em descobrir foi a tecnologia do Zink - Zero Ink - um papel fotográfico acidentalmente vegano que não usa tinta ou gelatina. Não é uma tecnologia muito comum, um pouco cara e que está demorando para se popularizar. A qualidade das cores deixa um pouco a desejar, mas para mim é bastante satisfatória. Fiz questão de conseguir uma impressora dessas e bastante papel.
Uma flor de romã. Uma foto que considero bastante cremosa.
E é isso. Algumas das minhas fotos estão disponíveis no Flickr. As fotos de gente eu não coloco na Internet por uma questão de privacidade e porque as melhores fotos eu guardo só para mim, sou um fotógrafo egoísta.