07/04/2020
Escrever como se não houvesse amanhã
Esses dias eu estava em casa tentando não enlouquecer, o passatempo da moda, você sabe, e comecei a pensar em alguns rascunhos parados que eu poderia muito bem dar continuidade, mas é sempre difícil escapar desse vortex chamado Internet e das coisas que nos sugam as energias.
Nessas meditações febris lembrei do tempo em que se conectar e estar online era quase impossível e no mínimo trabalhoso e caro. Daí lembrei de quando usava um Palm para ler e escrever e era quase só isso que dava pra se fazer nele. Lembrei do método de escrita, o Graffiti. Um modo bastante elegante e rápido de escrever sem precisar de um teclado qwerty. Era letra por letra usando uma caneta stylus num quadrado de uns 2cm. Comecei a olhar fotos e vídeos para relembrar e acabei indo ver se havia algum teclado ou suporte a esse tipo de escrita no iOS, pensando em brincar um pouco no iPhone. Aparentemente a patente desse sistema deve estar uma confusão ou a Apple não gosta desse tipo de recurso, já que só tem para Android.
Escrever em telas touch sempre foi terrível e o Graffiti era um dos poucos métodos que fazia sentido. Uma pena que não tenha se tornado um padrão. Por um segundo, um segundo que passou bem rápido, cogitei comprar um Palm para poder escrever sem distrações e fiquei me imaginando terminando minha obra prima com gestos frenéticos naquela tela minúscula e de baixíssima resolução.
Comentei meu saudosismo no Mastodon e fui acusado do pior tipo de crime da era moderna: ser hipster!
Ok, não tem problema. De repente essa onda hipster é um grito de socorro, né. A gente está sendo soterrado por um futuro que nos dispersa e aturde. Buscar por um porto firme no passado é um caminho tão válido quanto se candidatar para colonizar Marte.
Enfim, geralmente quem escreve sofre bastante com distrações e, como autodisciplina não é uma qualidade que anda de mãos dadas com criatividade, a criação as vezes não progride. Existem algumas ferramentas e subterfúgios: editores de texto minimalistas, programas que bloqueiam o uso da Internet e até mesmo dispositivos modernos feitos apenas para escrever, como o Hemingwrite (https://getfreewrite.com/) e o não tão moderno Alphasmart (https://en.wikipedia.org/wiki/AlphaSmart). Alguns desesperados e sem salvação acabam usando máquinas de escrever de verdade, o que é bem drástico e chocante.
Não nego e não confirmo que já experimentei coisas do tipo. É bastante doloroso ver sua mão te traindo e abrindo o navegador ou alcançando o celular, tudo para fugir do que importa. Sempre há uma desculpa. Parar de escrever para pesquisar na Internet por uma palavra ou ideia essencial ao texto é pedir para perder o fio da meada. Você acaba indo parar longe de onde começou.
Então eis me aqui trazendo uma dica bem simples e um tanto quanto radical. Não, não é comprar um velho PalmTop e aprender ou reaprender a escrever usando gestos Graffiti. Mas você pode tentar isso também, por que não? Procure os últimos modelos que são os melhores: E2, T5 ou TX. Se a bateria estiver ok, pode ser um bom brinquedo.
A dica é outra. Como esses dispositivos do tipo Hemingwrite são raros ou caríssimos aqui na selva, que tal fazer um?
Instalando o DOS e um processador de texto num computador velho
Basta um laptop ou desktop rodando DOS e você tem um desses. Calma, não fuja ainda! Vista sua camisa xadrez, coloque seu relógio de bolso no bolso e vamos até a cafeteria mais próxima!
Se você tem um netbook, laptop ou desktop funcionando, com uma tela decente e um bom teclado, você tem o que precisa para fazer sua própria máquina de escrever digital à prova de distrações. O ideal é um laptop pequeno e leve como esses netbooks que não servem para mais nada atualmente.
É possível instalar o DOS como único sistema operacional no HD interno, se você for um sujeito sério, ou usá-lo rodando num pendrive, se você for apenas um hipster. Se você não sabe direito o que é ou mesmo nunca ouviu falar do MS-DOS, vá ler isso (https://pt.wikipedia.org/wiki/MS-DOS) e depois volte aqui se ainda estiver disposto.
Então vamos lá. Você vai precisar de:
- Um laptop ou desktop com teclado e tela em boas condições. Quanto mais antigo, melhor, sério. Porém vai ficar mais fácil se ele tiver drive de CD e porta USB. Não é uma boa ideia confiar em disquetes quando se trata de fazer backup da sua obra prima.
- O FreeDOS (Ok, eu disse MS-DOS, mas acontece que ele não é gratuito. O FreeDOS é uma espécie de clone e roda os mesmos programas do mesmo jeito).
- Um pendrive ou CD gravável
Queime um CD com o ISO do FreeDOS ou crie um pendrive bootável com o Rufus. Para cada método há um arquivo próprio que pode ser encontrado no site do projeto (https://www.freedos.org/). Não vou explicar como criar o CD ou a usar o Rufus, se você entendeu o que leu até aqui significa que é capaz de se virar bem nessa parte.
Uma vez que você tenha o instalador em mãos, precisa agora fazer com que o BIOS do computador em que o DOS será instalado inicie o boot por ele. Cada modelo de computador tem seu caminho para acesso ao SETUP e configuração da sequência de boot. Geralmente é uma tecla que você pressiona depois de ligar. Descubra aí, dê uma olhada no manual do laptop ou da placa mãe do PC. É importante ter em mente que alguns computadores antigos de verdade têm portas USB mas não se consegue usá-las para boot. Nesse caso você depende do instalador em CD e o drive funcionando.
Uma vez que a máquina reconheça o boot do CD ou pendrive, basta instalar o FreeDOS seguindo as telas do glorioso modo texto. Aqui tem um vídeo do processo de instalação (https://www.youtube.com/watch?v=IjIOyYp_wjw).
Feita a instalação com sucesso, desligue a máquina com o comando SHUTDOWN
[enter]. Retire o disco ou pendrive de boot, ligue novamente e entre no SETUP para deixar a sequencia de boot como estava antes, ou seja, com o HD interno
primeiro.
É isso. Agora, ao ligar o computador, você cai numa tela de texto simples com um cursor piscando à espera de um comando. Separe algum tempo para aprender alguns comandos do DOS e sobre o FreeDOS (http://www.ibiblio.org/pub/micro/pc-stuff/freedos/files/ebook/using-freedos-24/using-freedos-24.pdf).
Chegou o momento de instalar um editor de texto. Ou não, você pode simplesmente usar o editor que já vem com o FreeDOS. Basta digitar C:\EDIT TESTE.TXT
e começar a escrever. É um editor básico com os recursos essenciais, mas pode
ser suficiente.
Existem outros editores mais sofisticados que você pode experimentar até encontrar um que lhe agrade, como Word, WordPerfect, Protext ou WordStar. Como sou gente fina vou deixar aqui um arquivo zip com esses editores que mencionei: Editores.zip
A instalação é bastante simples. É baixar, descompactar o arquivo e copiar o diretório para um pendrive. Lembre-se que esse pendrive precisa estar formatado em FAT e que o DOS não vai reconhecê-lo se ele for espetado somente depois que o computador estiver ligado.
Conecte esse pendrive no computador e ligue-o. Digite o comando D:
para pular do drive C para o pendrive e em seguida use o comando DIR
para listar os diretórios contidos nele. Entre no diretório do programa que você
quer instalar usando o comando CD NOME_DO_DIRETORIO
. Liste os arquivos com o comando DIR
novamente e localize o instalador, geralmente um arquivo com a extensão EXE ou BAT. Inicie a instalação digitando o nome
do arquivo e dando enter. Beleza?
Agora que você testou alguns editores e definiu seu preferido, que tal fazer com que ele abra sozinho toda vez que você ligar sua nova máquina de escrever?
Usando o próprio editor do FreeDOS, abra o arquivo C:\AUTOEXEC.BAT
e acrescente essas linhas no final, indicando o endereço do executável. Nesse exemplo é para o WordStar:
CD WORDSTAR
WS.EXE
Também é possível iniciar o editor já com um determinado arquivo de trabalho aberto, basta acrescentar o caminho e o nome do arquivo desse modo:
CD WORDSTAR
WS.EXE CHAPTER1.DOC
Também é uma boa ideia diminuir o tempo do menu do FreeDOS editando o arquivo C:\FDCONFIG.SYS
e mundando a linha
MENUDEFAULT=1,5
para
MENUDEFAULT=1,1
É isso, sua máquina de escrever está pronta e você não tem como escapar do trabalho (a não ser que você instale jogos antigos de DOS, o que seria talvez um grande erro).
Se você tiver medo de deixar seu rascunho salvo apenas numa máquina velha que pode pifar a qualquer momento (como todas as máquinas de escrever hoje em dia), crie o hábito de espetar um pendrive nela antes de ligar e fazer uma cópia do arquivo quando terminar. O comando é simples. Algo mais ou menos assim:
COPY CHAPTER1.DOC D:/
Se for um diretório inteiro:
XCOPY BOOK D:/
Não recomendo instalar o FreeDOS num pendrive para ter um DOS portátil. Experimentei e tive alguns problemas, apesar de funcionar. Se quiser perder tempo com isso, aqui tem um passo a passo: https://superuser.com/questions/1388931/how-to-install-freedos-onto-a-usb-stick
Se você leu tudo até aqui, achou lindo mas só quer um bom programa para escrever, recomendo o FocusWriter (https://gottcode.org/focuswriter/).