05/05/2023
Restaurando uma Olympus Pen EE-2
Descobri que a última loja que ainda vendia e revelava filmes fotográficos na minha cidade parou com esses serviços. Também não ampliam e não digitalizam mais. Agora só trabalham com arquivos digitais. Eventualmente isso iria acontecer. Na última vez em que estive lá, em 2016, se me lembro bem, já não era comum alguém precisar revelar um rolo e os filmes novos já não eram muito variados e baratos.
Sabemos que o tempo do Kodacolor a R$6,00 vendido até em padarias passou faz tempo, a novidade é que a pandemia acelerou as coisas e agora só se encontra filme na Internet e os preços estão bastante elevados. Uma revelação profissional agora está a dois fretes de distância.
Como eu falei no meu último texto, fiquei interessado em experimentar a revelação fotográfica como se fazia antigamente. Não bastou revelar aquele rolo de filme esquecido, eu também queria bater algumas fotos, então pesquisei um pouco sobre o que se encontra disponível em se tratando de câmaras analógicas, já que eu não tinha mais nenhuma. O mercado de materiais fotográficos usados na Internet, basicamente resumido ao Mercado Livre, é bastante pobre no Brasil. Não há variedade de câmaras boas e baratas. As mais comuns são as de plástico, saboneteiras, e as onipresentes Olympus Trip. Mas há um modelo que me chamou atenção: as Olympus Pen. São câmaras de meio quadro, perfeitas para dar a impressão de que um rolo de filme não está absurdamente caro.
É de se notar também que ainda se vendem máquinas fotográficas novas, as mais comuns são as instantâneas da Fuji, que funcionam de forma semelhante as instantâneas da Polaroid. Já as de filme 135 são todas muito simples, basicamente brinquedos, inclusive uma tal Kodak Ektar H35, que também fotografa com meio quadro. Porém considero o preço alto demais para uma máquina toda de plástico, incluindo a lente. Bom, escolhi então experimentar uma Olympus Pen.
A câmara
A Pen EE2 é uma máquina fotográfica que foi produzida pela japonesa Olympus entre os anos de 1968 e 1977. Ela tem uma objetiva de foco fixo Zuiko (nome das objetivas Olympus) de 28mm e abertura máxima de f/3.5, constituída por 4 elementos (as lentes propriamente ditas) divididas em três grupos. Assim como os demais modelos da linha Pen daquela época, esse tem como característica principal criar fotos de meio quadro, ou seja, dois fotogramas em cada negativo de 24x36mm dos rolos de filme 135 comuns. É como uma irmã menor da Olympus Trip 35, o modelo mais famoso dessa marca naqueles tempos distantes.
Assim como a Trip, a maioria dos modelos da linha Pen eram voltados para a fotografia casual. Essas máquinas foram as primeiras point and shoot. Apontar e disparar, sem precisar de ajustes complicados, graças a um fotômetro de selênio que definia sozinho as regulagens ideais de abertura do diafragma e tempo do obturador, de acordo com o ISO do filme, em determinadas condições de luz. O EE do nome significa Electric Eye (Olho Elétrico). Além da simplicidade no uso, o grande trunfo dessa série foi a economia, já que com um rolo de 36 poses era possível bater 72 fotos.
Detalhes do funcionamento
Quando as condições de luz não são suficientes para uma boa exposição, uma bandeirinha vermelha aparece no viewfinder (aquela janelinha onde você põe o olho e enquadrada o que vai sair na foto) e o obturador não é acionado. Frustrante e ao mesmo tempo bom, já que a foto não acaba sendo desperdiçada.
Apesar de ser automática, algumas Pen, como a EE2, tem a possibilidade de usar um flash e então permitir a escolha da abertura do diafragma (3.5, 4, 5.6, 8, 11, 16 ou 22). Infelizmente nesse caso o tempo do obturador é fixado em 1/40, ou seja, um quadragésimo de segundo. É um tempo longo, muito bom para criar fotos tremidas se você não estiver firme ou o assunto fotografado se mexer. Quando em modo automático, o tempo do obturador pode ser de 1/40 ou 1/200. A máquina usa a maior abertura possível do diafragma entre f/8 e f/22 se o tempo do obturador escolhido pelo Olho Elétrico for de 1/200, ou uma abertura entre f/3.5 e f/11 se a escolha for 1/40.
É um mecanismo engenhoso que saiu da cabeça de Yoshihisa Maitani, um desses gênios raros, então engenheiro e designer da Olympus. Difícil explicar como esse modo automático totalmente mecânico funciona, mas posso tentar: a célula de selênio gera uma corrente elétrica que movimenta o ponteiro de um VU. Esse ponteiro percorre um caminho onde é pressionado por duas pequenas placas de metal que sobem juntas quando o botão disparador é acionado, impedindo que elas avancem de um determinado ponto, de acordo com o recorte específico que há nelas e a posição em que o ponteiro está no seu caminho do mínimo ao máximo. Quando o ponteiro não atravessa o caminho das placas, ou seja, o VU está recebendo zero energia porque há pouca luz, elas vão livremente até o final do curso. É aí que o obturador não é acionado e aparece a tal bandeirinha vermelha.
Cada uma dessas placas tem dois setores. Uma é responsável pelo tempo do obturador (1/40 ou 1/200) e tem dois degraus, a outra cuida da abertura do diafragma (f/3.5 a f/11 ou f/8 a f/22) e tem dois grupos de vários degraus minúsculos. Simples, não? Tudo bem, veja esse vídeo:
As duas chapinhas que sobem quando se pressiona o obturador. A de trás define a velocidade do obturador (1/40 ou 1/200) e a da frente define a abertura do diafragma de f/3.5 a f/11 para 1/40 ou f/8 a f/22 para 1/200. Note que o ponteiro oculto no canto a direita atua nessas duas chapas quando a célula de selênio capta luz. No caso dessa câmara o selênio já não funciona e as duas chapinhas sobem livremente, mostrando a bandeira vermelha no viewfinder e impedindo a foto.
O ISO definido ao girar o anel da objetiva movimenta uma máscara circular que cobre parcialmente a célula de selênio, de modo que quanto maior o ISO do filme escolhido, mais a célula é exposta a luz e o ponteiro do VU vai mais longe em seu caminho. Realmente bastante engenhoso!
Reforma
Boa parte das máquinas fotográficas das décadas de 1950 a 1980 que você encontra no ML não estão realmente quebradas, apenas precisando de revisão. Estão profundamente sujas, foram jogadas de um lado para outro durante anos em que não eram mais usadas, então precisam de limpeza profunda e talvez uma gota de óleo, além da troca de espumas e feltros que isolam e previnem vazamentos de luz. Alguns modelos exigem ferramentas próprias, especiais e são bastante complexos, mas provavelmente um kit de chaves de relojoeiro já resolve. São máquinas feitas numa época em que os metais eram mais abundantes e baratos e o plástico ainda não tinha dominado toda a indústria. Por conta disso terminaram por ser muito resistentes ao tempo. Também eram todas montadas a mão, então não é nenhum bicho de sete cabeças desmontá-las desde que você tenha mãos firmes e dedos não muito grossos. O importante é ser organizado com as peças e os parafusos. Tirar fotos ou filmar a desmontagem também ajuda. Essa Olympus Pen é das mais fáceis, sem dúvida.
Aqui você vê algumas fotos que tirei durante a desmontagem: https://www.flickr.com/photos/robertostrabelli/albums/72177720307798287
Eu pensei que nunca mais desmontaria uma máquina fotográfica na minha vida já que minha visão não é mais aquela, mas comprei um desses óculos de leitura e pela primeira vez em anos consegui enxergar coisas miúdas em detalhes e me senti capaz de me meter a fazer isso de novo.
Apesar do anúncio dizer que a máquina estava funcionando, a Olympus Pen EE-2 que eu comprei sofre do problema mais comum desses modelos: a célula de selênio já não gera energia como antes e tudo que você consegue no modo automático é uma bandeira vermelha, mesmo que esteja debaixo do sol do meio-dia.
Comecei a desmontar a câmara para investigar e ver se havia algo que pudesse ser feito. Enquanto desmontava ia estudando sobre ela. É uma máquina bastante simples e fácil de desmontar. Para desmontar a objetiva e chegar ao mecanismo do obturador, primeiro se desrosqueia o acabamento em plástico que protege a lente, depois desrosqueia o elemento frontal. Ao tirar esse acabamento, também ficam acessíveis os primeiros parafusos que prendem o conjunto da célula de selênio e o anel giratório com que se define o ISO e as aberturas do diafragma.
Quando o selênio chega ao fim da vida costuma ficar todo cinza, mas nesse caso a célula estava azul como nova. Mesmo assim ela não gera mais que 0.1 volt e isso quase não move o ponteiro do VU. Consertar o Olho Elétrico demanda um trabalho de substituição e calibração além da minha paciência e conhecimento, então me conformei com a intenção de usar a máquina apenas com flash. Como o diafragma estava enroscando um pouco, continuei desmontando para fazer uma limpeza, lubrificação e pequena reforma, repintando a caixa etc.
Descolei o acabamento, retirei as partes de alumínio e todo o conjunto do mecanismo do obturador e lentes, que saiu inteiro soltando apenas quatro parafusos pela parte interna do corpo. Tão simples quando retirar um motor de fusca!
O mecanismo do contador de fotos também se desprendeu por completo com apenas alguns parafusos. Nada de pecinhas minúsculas caindo no chão ou pequenas molas saltitantes. Desmontei o máximo que pude, lavei as partes de alumínio, tirei restos de cola e sujeira do corpo e da tampa traseira, lixei e repintei. Eu pretendia trocar o revestimento, mas não encontrei algo similar e o original estava bom, apenas encardido.
Cometi o erro de deixar óleo escorrer nas lâminas do diafragma. Mesmo sendo uma quantidade mínima, de uma ponta de palito de dente, foi suficiente para travar o movimento. Gastei bastante álcool isopropílico para limpar tudo de novo. Usei um óleo de silicone de viscosidade 50, que teoricamente é o indicado para esses mecanismos delicados. Os gringos preferem usar fluído de isqueiro como limpador e lubrificante, mas acho um absurdo. O fato é que partes móveis devem estar limpas e apenas algumas precisam de lubrificação. Lâminas de obturador e diafragma definitivamente não precisam. Para limpeza, álcool isopropílico é o único seguro pois não afeta plásticos e borrachas e não deixa resíduo quando seca. Eu já usei benzina algumas vezes e embora tenha um cheiro mais gostoso (lança-perfume, alguém?) não é apropriado. Outra observação importante é não usar cotonetes para limpar esses mecanismos porque fiapos minúsculos enroscam nas molinhas e pontas de engrenagens. Eu usei um pincel macio que ia molhando no álcool e limpando num guardanapo. Por outro lado, os cotonetes são perfeitos para limpar lentes, mas posteriormente é preciso remontar a objetiva debaixo de muita luz para identificar e retirar os fiapos que por ventura podem acabar ficando presos por dentro de tudo.
Hackeando uma máquina fotográfica de cinquenta anos
Não sabendo o que fazer com a fotocélula quebrada, continuei minhas pesquisas. Pensei em adaptar uma pequena bateria com um regulador de voltagem e fornecer a energia para o VU, de modo que com um fotômetro externo eu regulasse a posição do bendito ponteirinho, mas essa solução exigiria uma calibração fina e difícil, além da mudança visual da câmara. Até mesmo uma pequena alavanca presa na ponta do ponteiro e atravessando a parte frontal superior da caixa pareceu impraticável, já que o mecanismo é bastante delicado e novamente seria duro mensurar a posição numa escala tão miniaturizada.
Felizmente encontrei um método de modificação não muito invasivo que permite usar essa máquina (e provavelmente os outros modelos da série Pen e Trip também) mais ou menos em modo prioridade de obturador. Basta travar uma espécie de roldana e o obturador se fixa em 1/200, enquanto você tem a liberdade de escolher a abertura do diafragma. Com um fotômetro no celular ou uma tabela de valor de exposição em mãos basta encontrar o melhor equilíbrio de acordo com o ISO do filme.
Um pouco rígido demais? Há duas formas de encarar o tempo único do obturador: uma limitação ou um desafio. Menos pode ser mais se nos leva a focar no que é importante. No caso dessas pequenas câmaras, o mais importante é o bom enquadramento e o registro de momentos e acontecimentos a nossa volta.
Detalhe da roldana travada. Usei uma esponjinha com cola de contato.
Primeiras fotos
Dentre os muitos anúncios de Olympus Pen no ML, o que me fez escolher um em particular foram os acessórios que acompanhavam a máquina: um flash (por incrível que pareça eu não tinha nenhum) e um filme novo. Quer dizer, novo não. O filme venceu em 2005.
Curiosamente, apesar de ser um filme preto e branco, segundo instrução na caixa ele deve ser revelado pelo processo C-41, que é o processo comum para filmes coloridos. Não sei em que condições o filme foi guardado nesses anos todos e muito menos o que ele sofreu. Sem dúvida essa caixinha viu muita coisa!
Dizem que para cada dez anos de vencido deve-se descer um ponto no ISO, então um filme de 400 deve ser exposto como se fosse de 200. Para facilitar o primeiro teste com a máquina reformada e diminuir as chances de perder todas as fotos, fiz essa tabela de Valores de Exposição para a velocidade de 1/200:
Fazer tantas dezenas de fotos mostrou ser um desafio para mim, que mesmo com uma máquina digital ilimitada sou bastante econômico nos clics. Fotografei bastante coisa! Era minha intenção fazer anotações para medir o resultado posteriormente, mas fui preguiçoso.
Na hora de revelar, não foi mais fácil colocar o filme na espiral dessa vez. Talvez por causa da idade do rolo. Acabei amassando a película em alguns pontos na tentativa. Isso me fez ficar levemente arrependido de não ter comprado um tanque moderno com carretel de plástico em que é mais fácil enrolar o filme. Dessa vez segui as instruções de revelação com muita atenção. O negativo ficou tão denso quanto o último, mas a granulação ficou enorme. Não me agradou muito, mas é o que um filme de 2005 pode oferecer. Tenho a impressão de que se pensasse no filme como sendo de ISO 100 ao invés de 200 poderia ter obtido um resultado melhor. Das mais de 74 fotos que fiz umas 50 ficaram aproveitáveis, sendo bem otimista. Apesar de tudo, me pareceu que não errei muito a exposição na maioria das fotos. As que não saíram ficaram realmente escuras, basicamente todas que tirei em interiores ou em grandes sombras. Por causa da granulação excessiva não foi possível salvar tudo. Mas não tenho certeza, não sou expert! Tudo indica que a máquina está boa, mas desconfio que a velocidade esteja maior que 1/200, talvez chegue a 1/250. Eu deveria ter anotado a abertura que usei em cada foto, assim teria mais certeza, mas... Bom, é isso.
Um fotógrafo de fim de semana, uma máquina velha, um filme vencido e um técnico de revelação iniciante. É sempre uma surpresa. Vamos ver o que a luz criou?












Esse tal Caffenol
Estou tentando aprender mais sobre o caffenol. Agora sei que não dá para esperar muito do resultado quando se revela filme colorido, afinal é um processo de revelação para filme preto e branco. Outro detalhe é que os ingredientes devem ser medidos com mais cuidado e há outros detalhes importantes que talvez eu discorra sobre em outro texto.
O fato é que revelar com café não é um improviso ou lomografia pura e simples. É possível conseguir resultado "profissional" com ele e eu gostaria disso. É tão válido usar café quanto as fórmulas comerciais como o Rodinal.
Digitalizar
Ainda não alcancei uma forma de digitalizar com perfeição e acho que não há muito o que fazer para melhorar sem gastar horrores com uma lente macro. Incomoda esse vazamento de luz nas bordas que acontece porque o quadro onde o negativo fica preso é um pouco maior do que deveria ser. Isso é possível resolver.
Existem milhões de tutoriais e vídeos falando sobre como digitalizar os negativos, mas eu boto fé que a melhor forma é mesmo fixando um tubo na lente e apontando para uma fonte de luz forte. O ajuste de foco é apertado demais para ser confiado num tripé com a máquina apontada para uma mesa de luz. Não deixar passar luz pelas bordas furadas do negativo também parece ser essencial.
Fontes
- https://www.imagingpixel.com/p/olympus-pen-ee-2.html
- https://camerapedia.fandom.com/wiki/Maitani_Yoshihisa
- https://www.35mmc.com/02/09/2017/olympus-pen-ee-2-review/
- https://photothinking.com/20171021olympus-pen-s-the-never-ending-story/